SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 4”

4.

Sangue latino (2015), Maryanne Fox.
Sangue latino (2015), Maryanne Fox.

ERAM VISÍVEIS OS sinais de prostração no rosto de Alicia. Mas não que fosse como se estivesse trabalhando no pior de seus casos. Não era isso. Aquilo não era pior que o caso dos pais que haviam matado o próprio filho e o enterrado no quintal de casa — ela agora se lembrava da cena: o corpinho miúdo do garoto surgindo de baixo daquela terra fofa que os peritos iam cavando, revelando a cova, revelando os fatos que poucos queriam admitir. Não, não era esse o ponto. A história que mais profundamente chocara a sargento, com seus desdobramentos e desfecho macabros, continuava sendo a protagonizada pelo casal Bryant, disso não restava dúvida. Porém, a visão daquela jovem encontrada no meio da rua naquele estado, executada em circunstâncias estranhas de que a polícia tinha apenas um confuso conhecimento até agora, somada à coincidência não menos incômoda de que provavelmente fosse brasileira (tal como era a mãe de Alicia), decerto tentando construir a vida como imigrante nos Estados Unidos (tal como fizera a mãe de Alicia), tudo isso vinha dando ao caso uma tonalidade mais intensa do que os outros com que a Sarg. Det. Santos já havia trabalhado desde que assumira seu esquadrão na Unidade de Homicídios. De fato, se enquanto anônima a garota já era uma imagem marcante em seus pensamentos, pior agora que ela tinha um nome. Continuar lendo “SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 4””

SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 3”

Sangue latino (2015), Maryanne Fox.
Sangue latino (2015), Maryanne Fox.

3.

MIKE COLLINS TINHA 25 anos e era o hacker oficial da Unidade de Homicídios da polícia de Boston — quer dizer, oficialmente, era um técnico responsável por obter muitas das informações imprescindíveis às investigações, acessíveis através da internet ou nos bancos de dados disponíveis. Diante da tela de um computador, Collins era geralmente eficaz, mas em algumas ocasiões, quando isso se fazia necessário, o garoto conseguia informações que muitos acreditariam que só poderiam ser desenterradas por um passe de mágica, ou mais: por um milagre. Embora normalmente contasse — e precisasse contar — com uma autorização judicial para “hackear” os computadores de certos suspeitos sob investigação, a prática não era senão um hobby seu. Ele adorava invadir redes consideradas seguras apenas pelo prazer de conseguir entrar.

Aliás, mesmo no departamento de polícia, agiu algumas vezes além das margens da legalidade, quando juízes se recusavam a autorizar o procedimento, para poder ajudar alguns detetives em suas respectivas investigações, quando estes estavam perdidos, precisando de indícios ou evidências que confirmassem ou desfizessem de vez suas suspeitas, ainda que tais pistas ou provas jamais pudessem ser levadas a um tribunal. O detalhe não importava tanto. Afinal, o que ele conseguisse descobrir poderia ao menos ajudá-los a preparar uma emboscada feita dentro dos ditames da lei. Pois era isso! Nessas horas, Mike Collins não era menos que providencial, muitos diziam. Todos os detetives sabiam que ele fazia essas coisas, o chefe do departamento sabia que ele fazia essas coisas, até os faxineiros por certo sabiam que ele fazia essas coisas, mas todos se fingiam de cegos, surdos e mudos a esse respeito.

No DP, todos gostavam de Collins. Devido a uma deficiência, ao fato de ter a perna esquerda menor que a direita, o garoto tinha um andar manco e lento. Na infância e sobretudo na adolescência, isso o havia condenado a enfrentar situações difíceis e corriqueiras na escola. Ele ainda se lembrava muito bem de Phil Carson, do ensino médio. Alto, forte, atlético. Um desses idiotas vistos como populares, como maiorais. Carson vivia fazendo piadinhas na sala de aula ou pelos corredores do colégio: Continuar lendo “SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 3””

SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 2”

Sangue latino (2015), Maryanne Fox.
Sangue latino (2015), Maryanne Fox.

2.

ALICIA CONHECIA BEM aquelas ruas e muitos ali ainda se lembravam dela. Alguns destes, pelo pior dos motivos: o pai. Henry Walsh era um homem notório e temido, mais conhecido pelo apelido de Mad Dog, o Cachorro Louco. Por muitos anos, fora um dos homens fortes da máfia irlandesa em South Boston. O tipo que mandava e desmandava naquele pedaço. Todos sabiam quem era Mad Dog e ninguém queria conhecê-lo pessoalmente, ter de ficar cara a cara com ele. As pessoas comentavam o que ele supostamente já havia feito. Várias vezes. O que era capaz de fazer.

Infelizmente, nem todos estavam tão bem informados.

Um dia, Mad Dog se encantara com a beleza de uma jovem brasileira que devia uma boa soma a uns caras que ele conhecia — os que a ajudaram a entrar no país clandestinamente e que agora a vinham ameaçando, atrás do que ainda não havia sido pago. Ao saber da situação, Mad Dog tomou a iniciativa. Quitou toda a dívida da moça, que também se deixara iludir pelo charme — e pelo gesto — dele e acabara se apaixonando. Não demorou muito, ela engravidou. Continuar lendo “SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 2””

SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 1”

Sangue latino (2015), Maryanne Fox.
Sangue latino (2015), Maryanne Fox.

I

A GAROTA QUE NÃO ERA DE IPANEMA

1.

ELA NÃO GOSTAVA disso, mas gostava ainda menos da alternativa. Isto é, sexo até podia ser uma necessidade natural da espécie, mas a intimidade com outra pessoa, a exposição deliberada de seu mundo particular a alguém com sua própria rotina e seus próprios interesses, era um mal que bem podia ser evitado. E ela o evitava. Sempre o evitara, na verdade.

Perdera a virgindade aos 14 anos. Somente uma pessoa, porém, havia tocado seu corpo mais de uma vez — e não tinha sido um homem. Sim, ela já havia tido relacionamentos com mulheres. Precisava saber como era. Queria sentir o gosto de outra garota, provar o prazer com outras nuanças, e foi na novidade dessa experiência que acabou descobrindo um afeto e uma conexão profunda que a levaram a mais de um encontro. Pena que não durou muito a sensação de que era especial e inabalável. Não era. O deslumbre da novidade logo passou e ela nunca mais tornou a ver Lauren depois de apanhar suas coisas no apartamento desta. Continuar lendo “SANGUE LATINO (2015): “Parte I, Capítulo 1””